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- 2º Grau
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Inteiro Teor
V - APELACAO CRIMINAL 10196 2011.50.01.007607-9
Nº CNJ : 0007607-21.2011.4.02.5001
RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO
PEREIRA DA SILVA
APELANTE : MARCO ANTONIO DE ANDRADE DINIZ
ADVOGADO : BRUNO BARCELLOS PEREIRA E OUTRO
ADVOGADO : MATHEUS FRAGA LOPES
APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
ORIGEM : 1ª VARA FEDERAL CRIMINAL DE VITÓRIA/ES
(201150010076079)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta por Marco Antônio de Andrade Diniz
contra a sentença prolatada pelo MM Juízo da 1ª Vara Federal Criminal/ES, que declarou "extinta a punibilidade da conduta imputada ao réu, no que
diz respeito ao crédito tributário relativo ao PIS (PAF n
15586.000191/2007-28), com fulcro no artigo 69, caput, da Lei nº
11.941/2009", bem como julgou procedente o pedido contido na denúncia
do órgão ministerial, para condená-lo pela prática das condutas tipificadas
no artigo 1º, inciso I, II e III da Lei nº 8.137/90, em continuidade delitiva, à
pena de 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 85 (oitenta e cinco)
dias-multa, no valor unitário de 1/20 avos de R$ 240,00 (duzentos e quarenta reais).
Narra a denúncia que o acusado, na qualidade de sócio administrador
da empresa Difer Representações Ltda. - ME teria reduzido e suprimido
tributos no ano-calendário 2003, através da emissão de notas fiscais
"calçadas". A conduta criminosa teria sido identificada através da
divergência entre os valores constantes das notas fiscais apresentadas pela
citada empresa, em comparação com os valores das notas fiscais de suas
clientes, as empresas Saint-Gobain Quartzolit Ltda. e Eletrovidro S/A.
Outrossim, teria deixado a empresa do acusado de emitir nota fiscal de
serviços prestados à Indústria Cerâmica Imbituba S.A., que enviou dados
de sua contabilidade para que a Receita Federal pudesse aferir o valor dos
serviços omitidos.
Recebida a denúncia em 20.07.2011 (fls. 08/09).
Ao sentenciar (fls. 54/62), o Magistrado de Primeiro Grau entendeu a
materialidade e a autoria do crime teriam sido plenamente comprovadas,
bem como que o dolo estaria presente na vontade livre e consciente de
reduzir e/ou suprimir tributos, acrescido do especial fim de agir, que é a
fraude do Fisco, que diferenciaria o crime de sonegação fiscal do mero
inadimplemento. Após a condenação e, considerando a presença dos
requisitos do artigo 44 do Código Penal, substituiu a pena privativa de
liberdade aplicada por duas penas restritivas de direito, quais sejam, uma de prestação de serviços comunitários e outra de prestação pecuniária.
Em suas razões recursais (fls. 71/80), suscitou o Apelante, em apertada síntese, que não teria agido com dolo, visto que confessou o débito e aderiu ao parcelamento do crédito tributário, o qual foi homologado pela Receita
Federal, inexistindo, portanto, o intuito de lesar o Fisco e o elemento do tipo supressão/redução do tributo. Aduziu que apenas três parcelas da dívida
fiscal deixaram de ser pagas e em razão de ulteriores dificuldades
financeiras, bem como que o valor não pago seria irrisório, o que tornaria o fato atípico. Por fim, invocou o princípio da intervenção mínima do direito penal e a ausência de crime continuado, igualmente em razão da concessão do parcelamento.
Recebida a Apelação à fl. 67.
Contrarrazões do Ministério Público Federal, às fls. 81/89, no sentido do desprovimento da apelação.
Parecer do Parquet Federal como custos legis, às fls. 97/104, em igual sentido.
É o relatório.
À revisão.
MARCELO PEREIRA DA SILVA
Desembargador Federal
V - APELACAO CRIMINAL 10196 2011.50.01.007607-9
VOTO
Conforme relatado, cuida-se de julgar apelação interposta pela defesa
contra a sentença prolatada pelo MM Juízo da 1ª Vara Federal Criminal/ES, que declarou "extinta a punibilidade da conduta imputada ao réu, no que
diz respeito ao crédito tributário relativo ao PIS (PAF n
15586.000191/2007-28), com fulcro no artigo 69, caput, da Lei nº
11.941/2009", bem como julgou procedente o pedido contido na denúncia
do órgão ministerial, para condená-lo pela prática das condutas tipificadas
no artigo 1º, inciso I, II e III da Lei nº 8.137/90, em continuidade delitiva, à
pena de 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicialmente aberto, e 85 (oitenta e cinco) dias-multa, no valor unitário de 1/20 avos de
R$ 240,00 (duzentos e quarenta reais).
Ao sentenciar, o Magistrado de Primeiro Grau fixou a pena-base em 02 (dois) anos de reclusão (mínimo legal) e 10 (dez) dias-multa. Considerando ainda a causa de aumento prevista no artigo 71 do Código Penal (crime
continuado), majorou a pena-base em 1/3, que corresponde a 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, substituída por duas penas restritivas de
direito (prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária) e 85
(oitenta e cinco) dias-multa, no valor de 1/20 avos de R$ 240,00 (duzentos e quarenta reais).
Não merece reparos a sentença ora recorrida, senão vejamos.
Inicialmente, a materialidade do crime restou plenamente comprovada do Procedimento Administrativo Criminal em apenso, onde constam as
notas fiscais emitidas pela Difer Representações Ltda. - ME (fls. 97/154), as vias das notas fiscais retidas pelas empresas Saint-Gobain Quartzolit Ltda.
(fls. 28/38) e Eletrovidro S/A (fls. 42/64) e os documentos referentes à
prestação de serviço para a pessoa jurídica Indústria Cerâmica Imbituba S/A (fls. 69/93).
Dúvidas não há acerca da existência de fraude, uma vez que as notas
fiscais de seqüência 0381 a 0418, emitidas pela empresa Difer
Representações Ltda. - ME, foram indiscutivelmente subfaturadas,
correspondendo a apenas 20% do seu valor real. Pelo que se verificou dos
autos, a primeira via da nota fiscal (destinada ao tomador do serviço) era
emitida com valor diferente do constante na via fixa (adotado como base de cálculo para recolhimento do imposto de renda de pessoa jurídica e das
respectivas contribuições), configurando a denominada prática de "calçar"
notas fiscais com a finalidade de reduzir a incidência de tributos dos serviços prestados, conduta que se amolda ao disposto no artigo 1º, III, da Lei nº
8.137/90.
Não bastasse, a citada empresa deixou de escriturar receitas decorrentes de doze serviços prestados à Indústria Cerâmica Imbituba S/A (fls. 71/82 do apenso), incorrendo nas penas previstas no inciso II do artigo 1º do mesmo
diploma legal.
Por sua vez, a autoria restou de igual modo comprovada, tendo em vista que o Réu é gestor da empresa Difer Representações Ltda. (fls. 223/231 do
apenso) e assinou a quitação dos valores prestados pela empresa que
constam das primeiras vias das notas fiscais com valores verdadeiros (fls.
28/38 e 42/64 do apenso), sendo certo que o próprio acusado afirmou, em
interrogatório, que emitiu notas fiscais "calçadas", no ano de 2003 (áudio de fl. 40).
De se ver que as teses recursais no sentido de que o reconhecimento da dívida afastaria a existência de supressão do tributo e de que a adesão ao
parcelamento do crédito tributário implicaria ausência de dolo de lesar o
Fisco não prosperam; a uma, porque o reconhecimento da dívida só ocorreu após ter sido detectada a fraude pela autoridade tributária; a duas, porque a
adesão ao parcelamento apenas dá ensejo à suspensão da exigibilidade do
crédito, a teor do disposto no artigo 151, VI, do Código Tributário Nacional, e não à exclusão da tipicidade por ausência de dolo, como quer fazer crer a
defesa, perdurando a suspensão enquanto devidamente cumprido (no caso,
até 30.05.2011 - fl. 351 do apenso).
A este respeito, como bem registrou o ilustre membro do parquet
federal em parecer, "o delito narrado nos autos não se refere a uma pura e
simples omissão de repasse de valores devidos à Fazenda Pública, mas à
prática de atos fraudulentos por parte do ora apelante, na condição de
gestor da empresa DIFER REPRESENTAÇÕES LTDA., que, de forma
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voluntária e consciente, utilizou-se de notas fiscais 'calçadas' ou,
simplesmente, deixou de emitir notas fiscais para alguns dos serviços
prestados por sua empresa, redundando na supressão e redução de
tributação devida. Assim, qualquer atitude tomada pelo réu após este
momento não tem o condão de retroagir no tempo, afastando o elemento
subjetivo de sua conduta, podendo, no máximo, ter efeitos sobre a seara
processual, como ocorre com o parcelamento do crédito tributário, que
suspende a pretensão punitiva estatal enquanto perdurar, e somente isso".
Com base na mesma lógica, deve ser prontamente rechaçada a tese
subsidiária de que a concessão do parcelamento afastaria a incidência do
disposto no artigo 71 do Código Penal, por ter ocasionado o rompimento do nexo de continuidade delitiva, uma vez que, como dito, a simples adesão ao parcelamento, posteriormente descumprido, não apaga o fato de o acusado
ter emitido 26 (vinte e seis) notas fiscais "calçadas" durante o exercício de
2003.
Registre-se, outrossim, que as dificuldades financeiras que
supostamente teriam dado ensejo ao descumprimento do parcelamento
sequer foram cabalmente comprovadas nos autos e, ainda assim, não seriam aptas a excluir a culpabilidade do Réu, uma vez que o crime foi cometido
mediante fraude. Neste exato sentido:
"PENAL. SONEGAÇÃO FISCAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA.
INOCORRÊNCIA. PARCELAMENTO DA DÍVIDA. RESCISÃO.
NOVAÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.
IMPOSSIBILIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA
DIVERSA. ÔNUS DA DEFESA. AUSÊNCIA DE PROVA
INCONTESTE. EMPREGO DE FRAUDE. INCIDÊNCIA DE
CONTINUIDADE DELITIVA. 1. O dolo é caracterizado pela intenção livre e consciente de suprimir tributos através de informações falsas às autoridades fazendárias, tendo sido, assim, configurado o elemento
subjetivo no presente caso, inexistindo um especial fim de agir, sendo
despiciendo qualquer outro elemento subjetivo diverso, como o animus de se obter benefício indevido. 2. Ao contrário do que sustenta a defesa,
a opção pelo REFIS não se equipara ao pagamento integral do débito, e, portanto, não gera os mesmos efeitos legais deste, especialmente se
comprovado que o parcelamento foi rescindido por inadimplência. 3. O parcelamento do débito não configura novação, por não haver
substituição dos elementos que a caracterizam, como a relação jurídica, devedor, credor ou objeto da prestação, conforme o artigo 360, do
Código Civil, sendo o parcelamento apenas uma redefinição do prazo
do débito e acréscimos legais. 4. A alegação de dificuldades financeiras que pode ser considerada como excludente de criminalidade, deve estar cabalmente comprovada nos autos, o que não se verifica na hipótese e, também, não se aplica ao caso concreto por se tratar de crime de
sonegação fiscal mediante fraude. 5. A prática delitiva consistente na
declaração de receitas inferiores às efetivamente recebidas, no intuito
de não pagar os tributos devidos pelo desenvolvimento das atividades
comerciais da empresa, se efetivou por três exercícios financeiros
consecutivos (1997, 1998 e 1999), nas mesmas condições de tempo,
lugar e maneira de execução, configurando, desta forma, a continuidade delitiva 6. Apelação do réu improvida." (TRF, 2ª Reg., 2ª T., ACR
5256, Rel. Des. Fed. LILIANE RORIZ, DJ 01.07.2008, p. 137)
Por fim, cabe notar que o Princípio da Intervenção Mínima invocado
pelo Apelante tem por escopo impedir a criação desmedida de tipos penais,
possuindo como destinatário o Legislador. Logo, uma vez tipificada a
conduta, como ocorre na presente hipótese, revela-se descabida a invocação do citado princípio para fins de afastar a condenação.
Deste modo, não havendo dúvidas acerca da materialidade e da autoria do delito ora imputado, a manutenção da sentença ora recorrida é medida
que se impõe.
Do exposto, CONHEÇO, mas NEGO PROVIMENTO à apelação
interposta por Marco Antônio de Andrade Diniz, mantendo a sentença ora
recorrida por seus próprios e jurídicos fundamentos.
É como voto.
MARCELO PEREIRA DA SILVA
Desembargador Federal
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EMENTA
APELAÇÃO PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º da LEI 8.137/90. AUTORIA E MATERIALIDADE
COMPROVADAS. PARCELAMENTO RESCINDIDO.
INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA AFASTADA. PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA.
1. Materialidade e autoria delitivas comprovadas, respectivamente, dos documentos constantes do Procedimento Administrativo Criminal e do fato de o Réu ser o gestor da empresa emissora das notas fraudulentas e ter confirmado, em interrogatório, a emissão de notas fiscais com valores inverídicos.
2. Dúvidas não há acerca da existência de fraude, uma vez que as
primeiras vias das notas fiscais destinadas aos tomadores de serviços eram
emitidas com valores diferentes dos constantes nas vias fixas, adotadas como base de cálculo para recolhimento do imposto de renda de pessoa jurídica e
das respectivas contribuições, configurando a denominada prática de
"calçar" notas fiscais com a finalidade de reduzir a incidência de tributos dos serviços prestados, conduta que se amolda ao disposto no artigo 1º, III, da
Lei nº 8.137/90. Não bastasse, a citada empresa deixou de escriturar receitas decorrentes de doze serviços prestados, incorrendo nas penas previstas no
inciso II do artigo 1º do mesmo diploma legal.
3. A adesão ao parcelamento apenas dá ensejo à suspensão da
exigibilidade do crédito tributário, a teor do disposto no artigo 151, VI, do
Código Tributário Nacional, e não à exclusão da tipicidade por ausência de
dolo, perdurando a suspensão enquanto devidamente cumprido.
4. Descabida a tese de que concessão do parcelamento afastaria a
incidência do disposto no artigo 71 do Código Penal, por ter ocasionado o
rompimento do nexo de continuidade delitiva, uma vez que a simples adesão ao parcelamento, posteriormente descumprido, não apaga o fato de o
acusado ter emitido 26 (vinte e seis) notas fiscais "calçadas" durante o
exercício de 2003.
5. As dificuldades financeiras que supostamente teriam dado ensejo ao descumprimento do parcelamento sequer foram cabalmente comprovadas
nos autos e, ainda assim, não seriam aptas a excluir a culpabilidade do Réu, uma vez que o crime foi cometido mediante fraude.
6. O Princípio da Intervenção Mínima tem por escopo impedir a criação desmedida de tipos penais, possuindo como destinatário o Legislador. Logo, uma vez tipificada a conduta, revela-se descabida a invocação do citado
princípio para fins de afastar a condenação.
7. Apelação desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:
Acordam os membros da 2ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, em negar provimento ao recurso, na forma do voto do Relator.
Rio de Janeiro, ___ de __________ de 2013.
MARCELO PEREIRA DA SILVA
Desembargador Federal