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- 2º Grau
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Inteiro Teor
V APELACAO CRIMINAL 12198 2008.50.01.0004914
Nº CNJ : 000049166.2008.4.02.5001
RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL ABEL GOMES
APELANTE : EDIE FRANCO RIBEIRO
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
ORIGEM : 1ª VARA FEDERAL CRIMINAL DE VITÓRIA/ES
(200850010004914)
RELATÓRIO
Tratase de apelação criminal interposta por EDIE FRANCO
RIBEIRO (fls. 225/243) em face da sentença de fls. 179/216, proferida pelo
Dr. RODRIGO REIFF BOTELHO, Juiz Federal da 1ª Vara Federal
Criminal de Vitória/ES, que condenou o apelante como incurso nas penas
do art. 297 e art. 171, § 3º c/c art. 14, II, todos do CP, a uma pena privativa
de liberdade de 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses e pagamento de 125
(cento e vinte e cinco) diasmulta.
Segundo a denúncia (fls. 02/05), em 04/05/2007, AGEU CAETANO
FERREIRA compareceu a agência da Caixa Econômica Federal com o
desiderato de sacar parcela do segurodesemprego, contudo o gerente geral
desconfiou da autenticidade dos documentos apresentados e acionou a
Policia Militar, momento em que AGEU evadiuse da agência deixando
cair os documentos falsos que iria utilizar. Ato contínuo, em 06/07/2007,
EDIE FRANCO RIBEIRO e AGEU, foram presos em flagrante delito por
agentes da Polícia Federal, portando documentos falsos e dinheiro
aparentemente originário dessa espécie de fraude.
Para AGEU CAETANO FERREIRA houve desmembramento e
incidiu suspensão pautada no art. 366 do CPP (fl. 107).
A denúncia foi recebida em 08/03/2010 (fls. 07/08). A sentença foi
prolatada em 11/07/2013 (fls. 179/216).
Em suas razões (fls. 225/243), a defesa pugna pela absolvição. Aduz
que a denúncia seria inepta, prejudicando o exercício da defesa, incidência
de crime impossível, princípio da consunção e insuficiência de provas.
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Subsidiariamente requer redução da pena e deferimento do beneficio da
gratuidade de justiça.
Contrarrazões do MPF às fl. 244/256.
Em seu parecer, às fls. 322/328, o i. Procurador Regional da
República, Dr. FLÁVIO PAIXÃO DE MOURA, opinou pelo não
provimento do recurso.
É o relatório. À douta Revisão.
VOTO
1. Admissibilidade.
O recurso foi interposto tempestivamente (certidão de fl. 221). A
apresentação das razões extemporaneamente, como se confere de fls.
224/225, retrata mera irregularidade. Precedentes. 1 Conheço do recurso.
2. Preliminar.
2.1. Inépcia e irregularidade descritiva da denúncia. Não ocorrência.
Aduz o apelante que houve prejuízo ao exercício de sua defesa em
razão da ausência de individualização das condutas. Destaca que apesar de
narrar dois episódios de estelionato tentado contra a CEF, a denúncia não
teria apontado o responsável por apresentar os documentos falsos no
primeiro fato e nem submetido à perícia os falsos documentos
supostamente apreendidos em 06/05/2007, por ocasião da prisão em
flagrante de EDIE e AGEU (fls. 226/227)
A tese não prospera. Conforme se lê de fls. 02/05, a denúncia descreve
sim duas tentativas de estelionato contra a agência 2503 da CEF, uma
ocorrida em 04/05/2007 (ocasião onde foram recolhidas 3 identidades e 3
formulários de comunicação de dispensa falsos) e outra, ocorrida dias antes,
sob mesmo modus operandi com a utilização de RG e formulário de
dispensa igualmente falsos abandonados na agência.
1 STJ, Sexta Turma, HC 200602042667; Relator Ministro NEFI CORDEIRO; Data do julgamento:
15/10/2015.
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Os 6 documentos falsos recolhidos em 04/05/2007 são 03 carteiras de
identidade de mesma numeração (n.º 07351941), em nome de CAIO
RODRIGUES, MARCIO LANNA e CESAR NEVES (respectivamente às
fls. 10/12 do IPL em apenso) e 3 formulários de comunicação de dispensa
com os mesmos nomes e registros (fls. 14/16) do IPL em apenso.
Já os documentos recolhidos na tentativa anterior são identidade e
comunicação de dispensa em nome de JOAQUIM MIGUEL (fls. 13 e 17
do IPL), apresentados pelo gerente da agência 2503 da CEF, RICARDO
VAILLANT AMORIM, quando chamado a prestar depoimento na
ocorrência registrada em 04/05/2007, conforme termo de declaração de fls.
18/19 e auto de apreensão de fl. 23, todos do IPL em apenso (originais às
fls. 168/175).
A descrição fática, portanto, nada tem de insuficiente.
Já com relação ao flagrante ocorrido em 06/05/2007, com AGEU e
EDIE sendo novamente presos com cédulas de identidade falsas (fls. 82/96
do IPL em apenso), ocorreu em Araçatuba/SP, e é objeto de outra ação
penal, não havendo que se cogitar, como pretende a defesa, de tratar desses
documentos ou periciálos nestes autos, como, aliás, já referiu a sentença
especificamente às fls. 184/185. Rejeito a preliminar.
3. Mérito.
3.1. Crime impossível. Não ocorrência.
Não prospera a tese defensiva no tocante a incidência de crime
impossível.
Os exames periciais atestaram a falsidade dos documentos, concluindo
pela sua aptidão ludibriadora o que se extrai da própria avaliação visual, a
exemplo das identidades acostadas em originais às fls. 168/175.
Essa capacidade converge também com a prova testemunhal,
destacandose o depoimento do Gerente da Caixa Econômica Federal,
RICARDO VAILANT AMORIM, esclarecendo que não houve
confirmação de falsidade por nenhum funcionário da agência, mas sim
dúvida acerca da autenticidade em razão dos documentos serem muito
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novos e emitidos em outro estado. Portanto, não estamos diante de
impropriedade absoluta do objeto.
Do mesmo modo, o fato de os servidores da CEF atuarem com maior
cautela frente aos documentos, por orientação superior, não torna o meio
absolutamente ineficaz, não havendo assim que se falar em crime
3.2. Materialidade e autoria.
A materialidade está demonstrada no auto de apreensão de fl. 23 do
IPL e laudos periciais de fls. 32/38 e 48/53 do IPL.
Embora os exames periciais contemplem apenas as carteiras de
identidade, levando em conta que a estas eram apresentadas para dar
fidedignidade às guias de dispensa no intuito de sacar fraudulentamente
segurodesemprego, atestam, também, por via indireta, a falsidade dos
respectivos termos de comunicação de dispensa, sobretudo para aqueles
atrelados a carteiras de identidade com uma mesma numeração e digital.
Ademais, os formulários de comunicação de dispensa fogem do
padrão, conforme informado no ofício do Ministério do Trabalho e
Emprego atravessado às fls. 97/99 do IPL, o que robustece a prova de
materialidade.
No tocante à autoria, o acusado foi preso em flagrante em 06/07/2007
já em São Paulo (fls. 60/7), sendo novamente apreendidos consigo
documentos da mesma natureza (fls. 72/73 do IPL). Ao ser questionado
sobre tais documentos em sede policial, EDIE revelou que seriam utilizados
para tentar sacar o seguro desemprego de terceiros (fl. 66 do IPL). E em seu
interrogatório (mídia de fl. 139), confirmou toda a acusação, ressaltando
que inseriu sua digital nos documentos para tal finalidade logrando sacar
alguns dos valores. Tratase de réu confesso, portanto.
3.3. Consunção entre art. 297 e art. 171 do CP.
Quanto ao tema, a sentença já reconheceu consunção parcial dos fatos.
E nesse ponto, a fundamentação de fls. 192/196, se mostra irretocável.
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Com efeito, são 4 RG's e 4 guias de dispensa correspondentes, todos
falsos.
A carteira de identidade n.º 07351941/MG e a comunicação de
dispensa n.º 1231663480, ambas em nome de MARCIO LANNA
OLIVEIRA, foram efetivamente apresentadas à CEF em 04/05/2007. Do
mesmo modo, o RG n.º 11684045/RO e a comunicação de dispensa n.º
1235581131 em nome de JOAQUIM MIGUEL DA SILVA também o
foram em data anterior não precisada, mas entre o final de abril e início de
maio (com poucos dias de diferença, conforme esclareceu o gerente da
agência).
Os demais documentos falsos foram recolhidos por ocasião da fuga no
episódio de 04/05/2007, e não se relacionam a nenhum evento de
estelionato que pudesse repercutir na incidência da súmula n.º 17 do STJ.
Por seu turno, a avaliação da sentença quanto à lesividade, mostrase
adequada. As carteiras de identidade servem a todo tipo de fraude, não
exaurindo sua potencialidade lesiva num único episódio de estelionato, ao
passo que as comunicações de dispensa só servem ao saque do seguro
desemprego, sendo absorvidas dentro da linha de ação do estelionato.
Mantido esse raciocínio, confirmo a sentença, na síntese de fls.
194/195:
"Portanto, pelo fato de os RG's empregados nas fraudes contra a
CEF/Previdência Social não esgotarem seu potencial de
lesividade nos estelionatos tentados, não incide à hipótese o
verbete nº 17 da Súmula do STJ, de modo que o falso material do
RG nº 07351941/MG, em nome de Macio Lana Oliveira, e do
RG nº 11684045/RO em nome de Joaquim Miguel da Silva
Filho, passam a coexistir como condutas criminosas autônomas,
previstas no art. 297 do Código Penal.
Noutro giro, a Súmula nº 17 do STJ, incidirá sobre as
Comunicações de Dispensa nº 1231663480 e nº 1235581131, por
estas exaurirem sua potencialidade lesiva nas tentativas de
estelionato perpetradas, fazendo com que o falsum seja
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absorvido pelo delitofim. Neste caso, remanesce apenas a
imputação do art. 171, § 3º c/c art. 14, II do CP.
No que concernem aos demais documentos inidôneos deixados
na CEF por ocasião do fato ocorrido no dia 04/05/2007, por não
terem sido utilizados como meio fraudulento para a consecução
do delitofim, deixam de pertencer à linha de desdobramento do
estelionato tentado. Portanto, relacionamse tãosomente aos
crimes de falso, perpetrados mediante desígneos autônomos.
Nesse contexto, o RG nº 073551941/MG e o CD nº 1231336738,
em nome de Caio Cesar Neves da Silva, bem como o RG nº
07351941/MG e o CD nº 1231336627, em nome de Caio
Rodrigues Martins Passos, reclamam a imputação do artigo 297
do Código Penal."
Nesse quadro, acertadamente mantidas as seguintes imputações, todas
repercutindo em condenação:
Ø Art. 297 c/c art. 71 do CP por 6 (seis) vezes, pois embora
sejam 8 (oito) documentos falsificados, 02 deles (as
comunicações de dispensa nº 1231663480 e nº
1235581131, restam absorvidas pelos estelionatos aos
quais se relacionam)
Ø Art. 171, § 3º c/c art. 14, II e 297 do CP por duas vezes,
também em continuidade delitiva a primeira relativa ao
RG e CD em nome de Marcio Lanna e a segunda em
relação ao RG e CD em nome de Joaquim Miguel)
Especificamente com relação aos estelionatos tentados, a defesa busca
absolvição com relação ao primeiro evento, aduzindo que não há data exata
definida e não haveria prova categórica da participação do apelante.
Contudo, embora de fato sem indicar a data exata, o então gerente da
CEF RICARDO VAILLANT foi categórico ao afirmar que dias antes do
episódio ocorrido em 04/05/2007 (evento 2), houve outra tentativa de
estelionato com o idêntico modus operandi (fls. 18/19 do IPL em apenso).
Na ocasião o agente deixou para trás o RG e a CD em nome de JOAQUIM
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MIGUEL e a carteira de identidade, periciada tais às fls. 33/34 do IPL em
apenso, registrou a digital do recorrente e réu confesso EDIE.
Portanto, a condenação fica integralmente mantida em todos os seus
termos, tanto quanto a continuidade delitiva, na forma como reconhecida na
sentença.
4. Dosimetria.
A pena base, tanto para os crimes de estelionato quanto para os crimes
de falso já foi fixada no mínimo legal (fls. 211/215), e por conta disso a
confissão judicial reconhecida não resultou em redução, por orça da súmula
n.º 231 do Eg. STJ. Nesses pontos, nada cabe reparar.
No pedido subsidiário, a defesa se insurge, especificamente, quanto a
aplicação da causa de diminuição da tentativa em seu patamar mínimo de
1/3 (art. 14, II, parágrafo único do CP). Todavia, não assiste razão à defesa.
O critério para a redução em relação ao crime tentado deve levar em
conta o iter criminis percorrido. Precedentes 2 . E no caso dos autos, em
ambos os episódios de estelionato tentado a execução cessou já dentro da
agência bancária diante do pedido de espera pára conferência de
fidedignidade dos documentos apresentados ao saque, o que significa dizer
que a execução, a partir dali, só poderia tender à consumação com a
obtenção dos valores de seguro desemprego. Portanto, a redução há sim que
incidir no patamar mínimo.
O segundo pleito defensivo visa exclusão da continuidade delitiva
para o crime de estelionato tentado, sustentando insuficiência de provas de
materialidade e autoria em relação ao primeiro evento condenatório, sem
data precisa. Entretanto, com já fundamentei no tópico 3.3 deste voto, a
pretensão não merece provimento.
5. Gratuidade de Justiça.
Destarte, considerando que o réu é, desde a deflagração da ação penal,
patrocinado pela Defensoria Pública da União, defiro a gratuidade de
2 STJ AgRg no AREsp 531525 Relator: Min. JOEL ILAN PACIORNIK Quinta Turma DJe
25/05/2016
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justiça, incidindo a suspensão de exigibilidade prevista no art. 12 da Lei n.º
1.060/50.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO,
unicamente para conceder ao apelante o beneficio da gratuidade de justiça.
É o voto.
EMENTA
PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. USO DE
DOCUMENTOS FALSOS. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO
TENTADO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO.
I Materialidade e autoria comprovadas pelo cotejo da prova
documental e testemunhal. Réu confesso.
II _ consunção apenas para as comunicações de dispensa,
exclusivamente úteis ao saque do segurodesemprego. Documentos de
identidade que não exaurem potencialidade lesiva nos episódios
condenatórios. Súmula n.º 17 do STJ incidente parcialmente. Sentença
condenatória mantida.
III Recurso parcialmente provido, exclusivamente com relação ao
pedido de gratuidade de justiça.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os presentes autos, em que são partes as acima
indicadas, acordam os membros da Primeira Turma Especializada do
Egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, em dar
parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.
Rio de Janeiro, _____ de _____________de 2016 (data do
julgamento).
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ABEL GOMES
Desembargador Federal
Relator